domingo, 3 de julho de 2011

Mortos vivos - Por Shirlei Amaro Avena Weisz

Sou um defunto que fala: tal qual Lázaro estou sentada à beira do ataúde, envolta em trapos e dizendo coisas que não poderia dizer, já que em verdade, morta eu me encontro.
Assim é como minha alma se mostra quando resolvo revolver minhas lembranças: de repente, percebo, assim como na Física Quântica, que não existo.
Na verdade, não posso estar aqui. É impossível entender o mundo ao meu redor. É impossível aceitar os fatos que se impõe à minha realidade.
A verdade é que estou morta. Sempre estive...O umbral está ao meu redor, e o céu, eu sequer vislumbro à minha volta. Como Cristo que abriu os portões do inferno e libertou os espíritos perdidos, como dizem os apócrifos bíblicos, estou eu diante da fortaleza da inexistência tentando romper os grilhões que me atam ao tormento.
Como águas revoltas em meio à tempestade, cá estou tentando entender o ininteligível, e tudo que me vem à lembrança é a história de Lázaro e as palavras nela escritas: "O defunto falou".
Fico pensando...desde quando defunto fala? Desde quando defunto se levanta e senta à beira do ataúde, envolto em trapos e tagarela? Alguém perdeu o raciocínio ou fui eu que perdi a lógica?
Ninguém permanece casado com um morto. Um morto é morto, mas às vezes ele fala...fala tão alto dentro de nós que já não somos capazes de ouvir o que está ao nosso redor. E tal qual Lázaro, o defunto morre de novo, e a pergunta que jaz é a mesma feita ao Nazareno: " Alguém porventura merece morrer de novo?".
Lázaro ressucitado foi morto por seus vizinhos, incomodados com o fato de estarem diante de um defunto que falava...E nem o Cristo achou justo que ele vivesse de novo, e assim, morresse novamente!
As lágrimas do Nazareno nos mostra a humanidade do questionamento que envolve o drama que eu, aqui, ouso expor, não com a lógica dos intelectuais, pois isso me foge à inteligência, mas com a lógica dos medíocres, que como eu, estão mortos.
Vejam bem, onde estou eu agora? Certamente dirão aqueles que me lêem que estou diante do computador dedilhando minhas idéias...mas não é que não estou? No momento em que lêem o que eu escrevo, eu já não ecrevo mais, e vocês sequer sabem dar conta de onde me encontrar.
Alguns, atônitos com essa diagramação da grande falácia de minha vida, ousarão pensar que estou na verdade louca e como louca, devia estar trancafiada na casa verde de Machado de Assis! Mas não foi o próprio Machado que disse que a linha entre a razão e a loucura é tênue e que os sãos podem na verdade serem os loucos?
A loucura é um sintoma dos mortais que sabem o quanto é efêmera sua existência, por isso, todos aqueles que ousaram romper as barreiras do lógico foram ridicularizados e tachados de loucos...inclusive o próprio menino Deus.
Jesus não era" entendido nem pelos da sua cidade nem por sua parentela". Todos sem exceção o achavam louco, principalmente depois do epísódio dos "vendilhões do Templo"!
Imaginem só: um homem de larga estatura, com barbas pouco crecidas e cabelos longos, com um chicote escorraçando os mercadores de dentro de um espaço que devia ser apenas uma "casa de Deus" ou Beth-El em hebráico! Imaginaram? Se vocês não soubessem quem Ele era, o que pensariam? Sim. É um louco!
Por isso, prefiro dizer que aquela que escreve, longe de ser "um defunto autor" como Bras Cubas, é na verdade alguém que vislumbrou a própria Inexistência e por isso, se recusa a crer que um defunto fale. Veja bem, para mim um defunto não fala e portanto não pode sentir tudo que um não-defunto sente. Portanto, um defunto não pode amar, ainda que possamos amar um defunto eternamente.
Suponhamos que a vida é na verdade uma ilusão e que a morte não existe. Haveria defuntos? Por certo que não. Mas vamos ser claros: a vida é uma ilusão? Eu de fato sou inexistente? Se sou, porque escrevo? O que não existe por certo nada poderia fazer, muito menos escrever pensamentos insanos em uma folha de papel. Mas a verdade é que assim como esse texto não está em lugar algum: desde quando o mundo virtual é algum lugar? Eu também não sou um defunto, ainda que assim possa dizer de mim.
Veja bem, sou um defunto no figurtivo: estou morta mais vivo e nem sei como explicar isso, já que a Física Quântica corrobora com a afirmação louca de minha inexistência.
A física quântica tem como um dos seus princípio o fato de não existirmos. Pense bem: a ciência afirma que não existimos. Mas desde quando a ciência é capaz de entender ou saber alguma coisa que valha? Desde que o mundo é mundo, o que entendemos como "ciência" fica rodando em meio às suas esquisitisses e assertivas duvidosas!
Tudo o que a ciência prova ela desaprova. Sim...a ciência prova que existe a matéria! Ok. A matéria existe, certo? Errado. Eu acabei de dizer que a Física Quântica diz que não existimos, então como afirmar que a matéria existe?
Tudo o que podemos conceber em nossas mentes é tudo o que há. Só isso! Por isso alguém pode viver casado com um defunto o resto da vida, ou simplesmente viver como se um defunto fosse.
Nossas obras são todas mortas se somos incapazes de crer em nossas obras. Se não acreditamos em nós mesmos, quem será capaz de acreditar? Se nos vemos como Lázaro sentados ao lado do ataúde, envoltos em trapos, quem nos convencerá que não somos?
Defuntos não falam. Não sentem. Não riem. E por isso mesmo são incapazes de compartlhar conosco a vida. Pois a vida que vivemos é em verdade um ensaio para o Nada.
E o que é o Nada senão o Tudo? O que é Deus senão essa sensação de inexistência diante do existir?
Assim como Lázaro, tagarelo próxima ao túmulo: como ele morta serei pelos meus vizinhos ( os mais próximos ), pois quem está distante é incapaz de ferir alguém que não está perto.
Longe dos olhos, perto do coração. Perto do coração, longe dos olhos...E assim vamos vivendo, esperando pelo dia em que a inexistência não nos assombre tanto. Esperando pelo dia em que sejamos capazes de aceitar que mortos não podem ser marido ou esposa...tampouco algo que o equivalha. Não porque não os amemos, mas sim porque não somos. E por não sermos e aqui estarmos, fica difícil viver com o que jaz morto.
Mortos não falam...Lázaro prova isso.E que venham os vizinhos!